Instituto Butantan se engaja para substituir animais em testes de soros e vacinas

O Instituto Butantan está engajado em diminuir o uso de animais em testes de qualidade de soros e vacinas e, para isso, se une à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a outros organismos nacionais e internacionais com o objetivo de aplicar metodologias alternativas à utilização de animais dentro de seus laboratórios.

“O Butantan está alinhado com a forma como o mundo está caminhando, participando ativamente deste processo de mudança, que é, efetivamente, lutar pelo direito dos animais também”, diz a diretora de Qualidade do Instituto, Patrícia Carneiro.

Um exemplo é a substituição dos testes de detecção de pirogênios e de endotoxinas em animais, que avaliam a presença de componentes bacterianos em produtos imunobiológicos, por metodologias alternativas. “Estamos perseguindo isso há mais de uma década e, após anos de dedicação de várias pessoas, temos estudado um método aqui no Butantan já validado internacionalmente e quase aprovado pela Anvisa”, afirma Patrícia.

Teste realizado pela equipe de Qualidade do Butantan

O método é o Teste de Ativação de Monócitos (Monocyte Activation Test ou MAT, na sigla em inglês) que substitui o teste de pirogênio padrão – no qual o produto é aplicado no coelho e, em caso de febre, indica uma possível contaminação. O MAT é feito com monócitos, que são células do sangue, ou com sangue total, no qual é colocado juntamente com o produto a ser testado. Se ele estiver contaminado, as células irão liberar interleucinas, o que indica a presença de pirogênios.

“Com o uso do MAT, eu passo de um ensaio in vivo para um in vitro, onde eu cultivo a célula e o pirogênio vai ter efeito em cima da célula. Assim, deixo de usar o animal, que não vai mais ser manipulado”, acrescenta o gerente de desenvolvimento analítico do Instituto Butantan, Rafael Silvestrin.

O MAT já é previsto como um método alternativo ao uso de animais em pesquisa pela Farmacopeia Europeia, já que na Europa as discussões sobre métodos alternativos em pesquisa são feitas há mais tempo. Aqui, o teste de pirogênio em animais ainda é o padrão considerado pela Farmacopeia Brasileira.

O Butantan e outros institutos de pesquisa estudam a viabilidade da implantação do MAT em seus estudos, apresentando os resultados preliminares para a Anvisa periodicamente. “Se se provar que o uso do método traz resultados tão ou mais satisfatórios que o uso de animais, o órgão regulador deve aprovar seu uso no país. O que não podemos fazer é simplesmente mudar o método se ele não se mostrar eficaz e seguro para a população”, diz a diretora da Qualidade.

Apesar de pesquisar tais procedimentos há vários anos, o Butantan foi impulsionado a acelerar os estudos após o Conselho Nacional de Controle e Experimentação Animal (Concea), colegiado do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), publicar em 2019 uma resolução governamental estabelecendo um prazo máximo de cinco anos para a adoção de alternativas aos testes de pirogênio e de endotoxinas em animais por metodologias alternativas validadas por centros internacionais. O prazo se encerra em 2024.

Olhar para o mundo

As tratativas internacionais que visam a implementação do MAT e de outros métodos alternativos em testes e pesquisas são feitas por diferentes players, incluindo o Centro Nacional de Refinamento de Substituição e Redução de Animais em Pesquisa (NC3Rs, na sigla em inglês), do Reino Unido; o Human Society International (HSI), dos Estados Unidos, e a Organização Mundial da Saúde (OMS).

O NC3Rs é uma das organizações que trabalham com a comunidade científica para implementar os 3Rs, que significam: substituir (replacement), refinar (refinement) e reduzir (reduction) o uso de animais em pesquisas e testes.

O Butantan atua juntamente com o órgão internacional para promover a mudança e já apresentou suas primeiras iniciativas no evento produzido pelo centro britânico, o “Workshop NC3Rs: Implementando os 3Rs nas diretrizes da OMS – compreendendo o impacto no controle de qualidade e testes de liberação de lotes de produtos biológicos na América Latina”, ocorrido em setembro de 2022.

No evento, o gerente de desenvolvimento analítico Rafael Silvestrin mediou o painel Animal based potency and safety assays – a focus on DTap/DTP products, relatando as primeiras iniciativas do Butantan para a comunidade científica internacional.

Em 2023, Patrícia representou o Instituto no workshop da Humane Society International (HSI) e no Congresso Brasileiro de Métodos Alternativos ao Uso de Animais (CBMALT), ambos realizados em novembro. “Neles discutimos planos de implementação para substituição de testes em animais para vacinas humanas”, afirma Patrícia.

Caminho sem volta

No Brasil, o Butantan se aliou à Rede Nacional de Métodos Alternativos (Renama), do MCTI, e ao Centro Brasileiro para Validação de Métodos Alternativos (BraCVAM), da Fundação Oswaldo Cruz, que participam das tratativas com a Anvisa e trocam experiências.

Para Rafael, a diminuição do uso de animais em pesquisa “é um caminho sem volta”, mas ainda não significa o fim por completo da prática, pois faltam evidências científicas que comprovem que ela garantirá a segurança dos soros e vacinas produzidos em larga escala.

“Em alguns processos, vamos ter que manter o método tradicional porque são ensaios estabelecidos há mais de 30 anos, enquanto com o MAT ainda precisamos ter alguns entendimentos. Mas vamos lutar para tentar reduzir o máximo no dia a dia e buscar mais inovação”, diz o gerente.

Segundo os cientistas, o  Instituto Butantan tem um papel importante no sentido de capitanear essa mudança no Brasil. “Pelo nível de tratativa que temos, de conhecimento e de experiência, possivelmente será o Butantan que vai conseguir aprovar os novos métodos no Brasil”, diz Patrícia. “Podemos ser pioneiros em um trabalho extremamente nobre de salvar vidas, independentemente de que vidas sejam”, conclui Rafael.

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