Mulheres com enxaqueca e dor cervical crônica têm quase 50% menos força no pescoço
Mulheres com enxaqueca e dor cervical crônica têm alterações funcionais nos músculos do pescoço. Em média, aguentam 50% menos tempo nos testes de força, resistência e pressão nessa região do que as pacientes que não apresentam essas condições.
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Além disso, nos testes feitos na Universidade de São Paulo (USP), observou-se como a musculatura craniocervical dessas pacientes fica mais fatigada do que a de quem não tem enxaqueca. São acometidos principalmente o esplênio e o escaleno anterior – músculos superficiais do pescoço que ajudam na flexão lateral e na rotação.
Isso sugere que os tratamentos propostos para quem tem enxaqueca precisam levar em consideração a dessensibilização da região cervical, aliando medicação e fisioterapia para que as pacientes tenham mais chances de obter bons resultados no tratamento e manejo da dor.
Os dados foram publicados no European Journal of Pain.
A pesquisa foi apoiada pela Fapesp (projetos 18/21687-8 e 15/18031-5) e liderada pela professora Débora Bevilaqua Grossi, responsável pelo Ambulatório de Fisioterapia em Cefaleia e Disfunção Temporomandibular (DTM) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP).
“Os pacientes com enxaqueca têm 12 vezes mais dor no pescoço do que uma pessoa sem dores de cabeça. Mesmo que o indivíduo não se queixe, é importante que seja avaliado do ponto de vista do sistema craniocervical para a investigação dos sintomas. Importante questionar se tem dor no pescoço, na face, para mastigar, no ouvido ou no ombro. Essas dores musculoesqueléticas periféricas são importantes de serem questionadas”, explica Grossi à Agência Fapesp.
Segundo a pesquisadora, quem tem enxaqueca não só tem dor no pescoço, mas também tem fraqueza. “E para tentar reverter esse quadro e ganhar força, amplitude de movimento, nós mostramos na pesquisa que é preciso aliar o medicamento à fisioterapia para tirar essa sobrecarga da musculatura. Aí, é mais rápido o resultado do tratamento”, afirma a neurologista Fabíola Dach, coautora do artigo e responsável pelos ambulatórios de Cefaleia, Dor Neuropática e Neurologia Geral do HCFMRP-USP.
Dor crônica
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a estimativa é que mais da metade da população apresente algum tipo de cefaleia pelo menos em alguma fase da vida. O paciente é considerado crônico quando tem mais de 15 dias de dor durante o mês.
Ao todo, são mais de 250 tipos de dor de cabeça, segundo a Sociedade Internacional de Cefaleia. Uma delas é a enxaqueca, uma das doenças mais incapacitantes do mundo, que compromete a qualidade de vida dos pacientes, inclusive no ambiente profissional.
“Mais de 70% dos pacientes com enxaqueca apresentam dor cervical. E essa dor está, geralmente, relacionada à redução da resposta ao tratamento com medicamentos. Quem tem dor no pescoço apresenta mais chance de se tornar um paciente crônico e com implicações na resposta à medicação”, destaca Grossi.
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Caso não seja tratada corretamente, a musculatura da cervical e de toda essa região da face pode levar ao aumento dos níveis de sensibilização do paciente e, com isso, acabar cronificando a dor, isto é, deixando as crises mais frequentes e com maior intensidade. Além de repercussões musculoesqueléticas, quem tem enxaqueca também pode apresentar comprometimento do equilíbrio e maior risco de quedas com o passar dos anos.
“Nós temos a sorte de trabalharmos juntos. Normalmente, fisioterapeutas e médicos trabalham sozinhos, mas, na nossa linha de pesquisa, nós mostramos os resultados desse trabalho em conjunto há muitos anos”, comemora Dach.
No site do grupo de pesquisa sobre DTM e cefaleia estão disponíveis gratuitamente diversos vídeos e materiais informativos, tanto para os profissionais quanto para os próprios pacientes.
Como foram os testes
A pesquisa envolveu um grupo de 100 mulheres entre 18 e 55 anos recrutadas na região de Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Diversos testes foram conduzidos – quando as pacientes estavam sem dor – visando detectar as disfunções musculoesqueléticas.
As voluntárias foram separadas em quatro grupos: o primeiro, para controle, incluía mulheres sem enxaqueca nem dor no pescoço; no segundo grupo estavam as pacientes que tinham apenas dor no pescoço; no terceiro, mulheres com enxaqueca e dor no pescoço; e, por fim, no quarto grupo, as pacientes que tinham enxaqueca e também a possibilidade de ter alodinia – uma maior sensibilidade no rosto e no couro cabeludo, por exemplo, ao pentear ou amarrar os cabelos.
“Nós medimos em segundos a resistência desses músculos e comparamos quem tinha enxaqueca com quem não tinha. Os dados revelam que, em pacientes com enxaqueca, esses músculos cervicais estão mais fatigados e com menor resistência à contração do que em um indivíduo sem enxaqueca. Percebemos que era preciso treinar essa musculatura do pescoço. Normalmente as pessoas alongam esses músculos, mas se esquecem de fortalecê-los”, ressalta Grossi.
Primeiro, para medir o limiar de dor à pressão, foi utilizado um dinamômetro (medidor de pressão) e um disco metálico. As pacientes ficavam sentadas e recebiam uma leve pressão em alguns locais na região do trapézio superior e da escápula, entre outros músculos. Quando percebiam a dor, apertavam o gatilho.
Depois, no teste de força muscular, as voluntárias ficavam deitadas e eram estabilizadas com cintas não elásticas, para evitar compensações. Era solicitada, então, uma contração máxima do pescoço, também medida pelo dinamômetro. No fim dos testes, os pesquisadores perguntavam se elas tinham sentido dor no pescoço ou de cabeça durante os exames, e qual tinha sido a intensidade da dor.
Já os testes de resistência muscular, flexão e extensão do pescoço foram feitos com as pacientes deitadas de bruços para avaliar a resistência dos músculos extensores, bem como deitadas com a barriga para cima, para avaliar a resistência dos músculos flexores. Também foram posicionadas tiras não elásticas para estabilizar o tronco das participantes. Quando o examinador retirava o suporte, o teste começava e a paciente era orientada a manter a cabeça na mesma posição em flexão ou extensão. Quando elas não conseguiam mais sustentar a posição sem o apoio, por dor ou cansaço, o teste era finalizado.
Por fim, o teste de resistência dos músculos flexores do pescoço também foi realizado com as participantes deitadas, mas preservando o alinhamento da coluna vertebral e com as pernas estendidas ou ligeiramente flexionadas para permitir o relaxamento dos músculos abdominais. Nesse teste, o examinador colocava a mão atrás do osso occipital, que fica bem na junção da cabeça com o pescoço. Ele é o único osso craniano que se articula com a coluna vertebral. As pacientes eram orientadas a flexionar o pescoço e, em seguida, a elevar de forma suave a cabeça. O teste terminava quando elas eram incapazes de manter essa posição sem apoio, por cansaço ou dor.
Em média, as pacientes com enxaqueca e dor na região do pescoço só conseguiram aguentar cerca de 34 segundos, metade do tempo que as participantes sem essas condições foram capazes de suportar.
Em um dos grupos, as pacientes que sentiram dor de cabeça e dor de pescoço durante o teste não conseguiram suportar nem 30 segundos, em média.
“Nós também avaliamos a incapacidade cervical e realizamos uma análise eletromiográfica dos músculos cervicais em conjunto com a análise da força, da resistência e do limiar de dor e sensibilidade mapeando a presença das disfunções cervicais. As evidências só reforçaram a nossa hipótese de que o pescoço parece ser um fator também de cronificação da enxaqueca”, ressalta Grossi.
Destaques
Uma das principais contribuições do grupo de pesquisa nos últimos anos, de acordo com Grossi, foi compreender melhor as repercussões dessas dores de cabeça. Independentemente do relato da dor no pescoço, esses pacientes podem apresentar disfunção cervical com diminuição da amplitude de movimento, fraqueza, falta de coordenação muscular e maior sensibilização.
Ainda não está claro, no entanto, se a dor no pescoço faz parte do quadro prodrômico da enxaqueca (ou seja, anterior à crise), se é um dos sintomas e, portanto, parte de um ataque ou, ainda, se atua como um fator perpetuador da doença. Por isso, novos estudos são necessários para entender melhor sua associação com a dor de cabeça.
Segundo a pesquisadora, as mulheres acabam se queixando mais, buscando mais tratamento, mas os homens também sofrem com a enxaqueca da mesma forma. E um dos aspectos importantes dessa dor é a sensibilização do pescoço e da face.
“Enxaqueca é mais do que dor de cabeça. Muitas vezes, a pessoa não consegue distinguir um ataque de dor no pescoço de uma crise de cefaleia porque as coisas caminham juntas. Nem todos os pacientes com enxaqueca apresentam dor no pescoço, mas é importante destacar que podem existir subgrupos de pacientes com maior acometimento cervical ou, por exemplo, do controle postural”, explica Grossi.
“Os nossos dados apontam que pacientes com enxaqueca crônica e com aura têm maior chance de queda e dez vezes mais chances de ter tontura. É uma descoberta de grande impacto, porque poucos acreditavam nessa interação, e pode ajudar muito na abordagem clínica desses pacientes, prevenindo repercussões funcionais indesejáveis ”, afirma Grossi.
Os dados recentes do grupo também trazem informações importantes sobre outra dúvida que vem gerando debate entre os cientistas da área: existe ou não outro tipo de enxaqueca, cuja maior queixa é a tontura? Seria outra doença?
“Existem subgrupos de pacientes. Há aqueles que têm maior repercussão musculoesquelética e aqueles com maior repercussão funcional no controle postural, que relatam muita tontura, vertigem ou desorientação espacial. Nossos dados reforçam a hipótese de que se trata da própria enxaqueca e é preciso tratar a dor de cabeça”, enfatiza Grossi.
Tratamento
“Muitas vezes, a principal queixa da pessoa nem é mais a dor de cabeça. Pode ser a tontura, a vertigem, ou a dor dos músculos da face e do pescoço impactando muito na sua qualidade de vida”, ressalta Grossi.
Embora muitos pacientes que têm enxaqueca evitem praticar exercícios e até se movimentar, dependendo do desenvolvimento da doença, a pesquisadora recomenda que a atividade física e exercícios específicos sejam aos poucos incorporados à rotina com orientação especializada.
“Eu preciso saber como tratar esse paciente, como ajudá-lo e, no caso do exercício, é preciso incentivar que ele pratique alguma atividade, sempre fora das crises, e que ele seja o mais ativo possível, dentro das suas condições. Você não vai começar carregando o maior peso do crossfit. Talvez comece apenas caminhando e, então, vamos progredindo. Talvez goste de dançar, o que seria muito bom para trabalhar e desafiar um pouco o seu sistema e ainda se divertir”, comenta a pesquisadora.
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