Terapias celulares podem conter risco de morte por COVID-19 em 60%, aponta estudo de SP
O uso de terapias celulares em pacientes com COVID-19 reduziu em 60% o risco de morte pela doença. A conclusão, divulgada na revista Frontiers in Immunology, é de um estudo de revisão conduzido por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) em parceria com cientistas alemães e norte-americanos. O artigo compila dados de 195 ensaios clínicos feitos em 30 países, entre janeiro de 2020 e dezembro de 2021.
Nos últimos anos, as chamadas terapias celulares avançadas têm ganhado espaço no combate a diversas doenças, sobretudo o câncer. Basicamente, as técnicas consistem em repor células saudáveis no organismo do paciente, de forma a restaurar ou alterar determinados conjuntos celulares. Outra estratégia é modular a função de um conjunto de células doente pela injeção de novas células (ou produtos celulares).
Nessas diferentes técnicas, podem ser usadas células-tronco (ou suas derivadas) do próprio paciente (autólogas) ou de um doador (alogênicas), que são cultivadas ou modificadas fora do corpo antes de serem administradas.
De acordo com o estudo, os tipos celulares mais utilizados nos ensaios clínicos para tratamento da COVID-19 foram as células estromais ou tronco mesenquimais multipotentes (oriundas do tecido conjuntivo), células natural killer (provenientes de linfoblastos) e células mononucleares (derivadas do sangue), respondendo por 72%, 9% e 6% dos estudos, respectivamente.
“As terapias celulares têm avançado muito nos últimos anos e têm sido usadas para tratar câncer, doenças autoimunes, cardíacas e infecciosas. Durante a pandemia, elas foram utilizadas para o tratamento de COVID-19 em diversos ensaios clínicos. Nosso trabalho é o primeiro a juntar todos esses dados espalhados pelo mundo e a verificar, por meio de uma meta-análise [método estatístico que permite agregar dados de diversos estudos independentes], o funcionamento dessas terapias no combate à nova doença, assim como para os problemas de saúde desencadeados pela COVID-19”, afirma Otávio Cabral-Marques, professor da Faculdade de Medicina da USP e coordenador da pesquisa.
O pesquisador lembra que, desde o começo da pandemia, a terapia com células-tronco e os modelos de organoides derivados de células-tronco receberam ampla atenção como um novo método de tratamento e estudo da COVID-19.
Isso porque células-tronco, em especial as células-tronco mesenquimais, têm apresentado um significativo poder de regulação imune e funções de reparo de dano tecidual. Em relação ao pulmão, por exemplo, os ensaios clínicos mostram – em menor ou maior grau – que as terapias celulares avançadas podem limitar a resposta inflamatória grave em pacientes infectados pelo SARS-CoV-2, reduzindo a lesão pulmonar. Dessa forma, o esperado com essas terapias é que ocorra a melhora da função pulmonar, desempenhando um papel positivo contra a fibrose, por exemplo.
A despeito da atenção que esse tipo de abordagem ganhou, Cabral-Marques avalia ser importante reforçar os reais efeitos protetores da vacinação.
“Embora os resultados dos estudos mostrem que as terapias celulares avançadas possam vir a se estabelecer como um tratamento adjuvante importante para pacientes afetados pela COVID-19, em um futuro próximo, a prevenção da doença por meio da vacinação ainda continua sendo a melhor proteção”, alerta.
Padronização dos dados
Os ensaios de terapia celular avançada para COVID-19 foram conduzidos em 30 países, com destaque para Estados Unidos, China, Irã e Espanha. No entanto, eram estudos muito heterogêneos, não só com número de participantes muito variado, como também com desenhos e metodologias diferentes.
Dessa forma, para a realização da meta-análise, a equipe de pesquisadores fez a curadoria dos dados a serem analisados pelo banco de dados Cell Trials Data e incluíram informações sobre dados nacionais, além de excluir informações como falsos positivos e contagens duplas, por exemplo.
Os autores ressaltam que houve também variação em relação às etapas da pesquisa. Em muitos países, sobretudo na Europa, há uma regulamentação rígida sobre terapia celular humana, que limita o número de produtos de terapia celular. Dessa forma, 56% dos estudos nem sequer atingiram a fase 2 da pesquisa clínica – que abrange pacientes com a doença e tem o objetivo de estabelecer a segurança no curto prazo, a dose-resposta e a eficácia do produto. Outro limitador foi o fato de que 31% dos ensaios clínicos analisados não contavam com grupo-controle.
“Para chegar a esse valor de redução do risco de morte foi preciso levar em consideração os achados e características dos diferentes estudos, além de fazer algumas correções e estimativas”, explica o doutorando Igor Salerno Filgueiras, coautor do artigo de revisão.
“Existem técnicas para padronizar esses dados, eliminar vieses e ter uma visão imparcial. Isso permite chegar a conclusões que muitas vezes passam despercebidas em um estudo específico, mas, quando reforçadas por outras análises, ganham uma visão científica interessante”, avalia Dennyson Leandro M. Fonseca, bolsista de doutorado da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) que integra a equipe.
O artigo ressalta ainda que os estudos que utilizaram células mesenquimais apresentavam métodos de fabricação e entrega clínica extremamente heterogêneos. “Os resultados destacam o importante papel que os produtos de terapia celular podem desempenhar como terapia adjuvante no manejo da COVID-19 e suas complicações relacionadas. Mas é preciso ainda controlar os principais parâmetros de fabricação desses produtos para garantir a comparabilidade entre os estudos”, afirma Cabral-Marques.
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